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Violência estrutural nos EUA: entendendo o atentado a Trump e suas raízes históricas.

A violência nos Estados Unidos não é um fenômeno isolado, mas sim uma característica profundamente enraizada na maneira como o país se organiza social, política e economicamente. Essa conclusão é reforçada acontecimentos históricos e eventos recentes, como o ataque ocorrido em um comício de Donald Trump, destacando como esses incidentes estão interligados com a história e a estrutura do país.


Desde sua fundação, os Estados Unidos têm uma trajetória marcada por conflitos violentos. A colonização europeia do território envolveu a conquista violenta das terras indígenas e a subsequente escravidão de africanos. Estes atos iniciais de violência institucionalizada estabeleceram um padrão de uso da força como meio de resolver conflitos e consolidar poder.


O capitalismo norte-americano, em sua busca incessante por lucro e expansão, frequentemente recorreu à violência para manter a ordem econômica. Greves e movimentos trabalhistas, especialmente no final do século XIX e início do século XX, foram reprimidos com brutalidade pelo Estado e por forças paramilitares contratadas por empresas. Esse padrão continua até os dias atuais, com a violência policial sendo uma ferramenta para manter a desigualdade econômica e social.


A estrutura social dos EUA também é permeada pela violência. A segregação racial, que se seguiu ao período de escravidão, foi mantida através de leis discriminatórias e violência extrajudicial, como linchamentos e atentados contra comunidades negras. Movimentos pelos direitos civis, como o liderado por Martin Luther King Jr., enfrentaram intensa resistência violenta, tanto por parte do Estado quanto de cidadãos contrários às mudanças sociais.


Os eventos recentes, como os ataques em comícios políticos, ilustram como a violência política continua a ser uma característica saliente nos EUA. O uso de retórica inflamatória por líderes políticos exacerba divisões e incita atos violentos entre seus seguidores. O ataque no comício de Trump é um exemplo disso, refletindo um ambiente de polarização e hostilidade fomentado por discursos de ódio e intolerância.


O Estado desempenha um papel central na perpetuação da violência. A militarização da polícia, as políticas de encarceramento em massa e o uso desproporcional da força contra minorias são indicativos de uma abordagem que vê a violência como uma ferramenta legítima de controle social. Além disso, a política externa dos EUA, caracterizada por intervenções militares e apoio a regimes autoritários, reforça a noção de que a violência é um meio aceitável para alcançar objetivos políticos e econômicos.

  

O Direito ao acesso a armas nos EUA: consequências e facilitação de atentados

 

Os Estados Unidos têm uma relação histórica e cultural profundamente enraizada com as armas de fogo, um vínculo que tem se mostrado resistente a mudanças mesmo diante de tragédias frequentes. O direito ao porte de armas é garantido pela Segunda Emenda da Constituição, e essa prerrogativa tem sido defendida ferozmente por uma significativa parcela da população americana. No entanto, essa liberalidade no acesso a armas tem consequências graves, incluindo a facilitação de atentados, como o recente incidente em um comício de Donald Trump.

 

A Segunda Emenda da Constituição dos EUA, ratificada em 1791, estabelece que "o direito do povo de manter e portar armas não deve ser infringido". Essa emenda foi originalmente concebida em um contexto de milícias locais e da necessidade de defesa contra possíveis tiranias. No entanto, ao longo dos séculos, essa interpretação evoluiu para um direito individual ao porte de armas.

 

Recentemente, a Suprema Corte dos EUA tem tomado decisões que reforçam essa interpretação. Em junho de 2022, a corte decidiu que o direito ao porte de armas se aplica em todo o território nacional, independentemente das leis estaduais que possam restringir esse direito. Esta decisão veio em um contexto onde 25 estados americanos já não exigem licença para portar armas, simplificando ainda mais o acesso a armamentos.

 

O fácil acesso a armas de fogo nos EUA tem diversas consequências negativas. Em primeiro lugar, há um número alarmante de mortes relacionadas a armas. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), os EUA registram dezenas de milhares de mortes por armas de fogo a cada ano, incluindo homicídios, suicídios e acidentes.

 

Além disso, o livre acesso a armas facilita a ocorrência de atentados e tiroteios em massa. A disponibilidade de armas sem grandes barreiras legais permite que indivíduos com intenções violentas obtenham armas com relativa facilidade. Este ambiente propício para a violência armada foi destacado em um estudo da Universidade de São Paulo, que apontou os fatores históricos e estruturais que dificultam o controle de armas nos EUA .

 

O atentado recente em um comício de Donald Trump é um exemplo claro de como o acesso facilitado a armas pode resultar em violência política. Durante o evento, um indivíduo armado conseguiu se aproximar perigosamente do ex-presidente, destacando as lacunas nas medidas de segurança e o impacto das políticas de armas frouxas.

 

Este não é um caso isolado. A história política dos EUA está repleta de exemplos de atentados contra figuras públicas, frequentemente perpetrados por indivíduos que adquiriram armas legalmente. A facilidade com que esses agressores obtêm armas destaca a necessidade urgente de uma reforma nas leis de controle de armas.

 

Os Estados Unidos têm uma longa e trágica história de atentados contra seus presidentes e candidatos presidenciais. Esses eventos refletem as tensões e divisões profundas que permeiam a sociedade americana, além de destacar os perigos inerentes à política em um país com fácil acesso a armas de fogo.

 

Linha do tempo dos atentados contra presidentes e candidatos nos EUA


1835 – Tentativa de Assassinato de Andrew Jackson: em 30 de janeiro, Richard Lawrence tentou disparar duas pistolas contra o presidente Andrew Jackson fora do Capitólio dos EUA. Ambas as armas falharam e Jackson sobreviveu ileso.


1865 – Assassinato de Abraham Lincoln: em 14 de abril, o presidente Abraham Lincoln foi baleado por John Wilkes Booth no Teatro Ford em Washington, D.C. Lincoln morreu no dia seguinte, em 15 de abril.


1881 – Assassinato de James A. Garfield: em 2 de julho, o presidente James A. Garfield foi baleado por Charles J. Guiteau na estação ferroviária de Washington, D.C. Garfield morreu em 19 de setembro devido aos ferimentos.


1901 – Assassinato de William McKinley: em 6 de setembro, o presidente William McKinley foi baleado por Leon Czolgosz na Exposição Pan-Americana em Buffalo, Nova York. McKinley morreu em 14 de setembro.


1912 – Tentativa de assassinato de Theodore Roosevelt: em 14 de outubro, o ex-presidente e então candidato à presidência Theodore Roosevelt foi baleado por John Flammang Schrank em Milwaukee, Wisconsin. Roosevelt sobreviveu e continuou sua campanha.


1933 – Tentativa de assassinato de Franklin D. Roosevelt: em 15 de fevereiro, Giuseppe Zangara tentou assassinar o presidente eleito Franklin D. Roosevelt em Miami, Flórida. Embora Roosevelt não tenha sido ferido, o prefeito de Chicago, Anton Cermak, foi atingido e morreu em 6 de março.


1947 – Tentativa de assassinato de Harry S. Truman: em 1 de novembro, Oscar Collazo e Griselio Torresola tentaram assassinar o presidente Harry S. Truman na Blair House em Washington, D.C. Torresola foi morto e Collazo foi capturado.


1963 – Assassinato de John F. Kennedy: em 22 de novembro, o presidente John F. Kennedy foi assassinado em Dallas, Texas, por Lee Harvey Oswald. Kennedy morreu no mesmo dia.


1972 – Tentativa de assassinato de George Wallace: em 15 de maio, o governador do Alabama e candidato à presidência George Wallace foi baleado por Arthur Bremer em Laurel, Maryland. Wallace ficou paralisado da cintura para baixo.


1975 – Tentativas de assassinato de Gerald Ford: em 5 de setembro, Lynette "Squeaky" Fromme tentou atirar no presidente Gerald Ford em Sacramento, Califórnia, mas foi impedida. Em 22 de setembro, Sara Jane Moore tentou atirar em Ford em San Francisco, Califórnia, mas errou o tiro.


1980 – Tentativa de assassinato de Ronald Reagan: em 30 de março, o presidente Ronald Reagan foi baleado por John Hinckley Jr. em Washington, D.C. Reagan sobreviveu ao atentado.


2007 – Tentativa de assassinato de Barack Obama: em novembro de 2008, uma tentativa de assassinato foi descoberta quando Daniel Cowart e Paul Schlesselman foram presos com planos de matar o então candidato Barack Obama.

 

Os atentados contra presidentes e candidatos nos EUA são um lembrete sombrio das vulnerabilidades inerentes à liderança pública e das tensões subjacentes na sociedade americana. Esses eventos não apenas moldaram a história política do país, mas também destacaram a necessidade contínua de medidas de segurança rigorosas e de um debate mais profundo sobre o controle de armas e a violência política.

 

O direito ao acesso a armas nos EUA, embora profundamente enraizado na história e cultura do país, traz consequências graves que não podem ser ignoradas. A facilidade com que armas são adquiridas contribui para altos índices de violência armada e facilita atentados, como o recente incidente envolvendo Donald Trump. O recente ataque a um comício de Donald Trump trouxe à tona preocupações sobre a segurança de eventos políticos nos Estados Unidos e o fácil acesso a armas de fogo no país. O autor do ataque foi identificado como Thomas Crooks, um homem de 45 anos com um perfil complexo e motivações ainda não totalmente esclarecidas.

 

Thomas Crooks, tinha um histórico de participação política variada. Ele já se registrou como eleitor republicano e, ao mesmo tempo, fez doações para campanhas de candidatos democratas, indicando uma possível confusão ou ambiguidade em suas inclinações políticas. Esse comportamento sugere que suas motivações políticas podem ser mais complicadas do que uma simples afiliação partidária.

 

Crooks conseguiu a arma usada no atentado legalmente. Ele adquiriu a arma em um estado com leis de armas relativamente permissivas, o que lhe permitiu comprar a arma sem enfrentar grandes obstáculos. Este fato destaca as lacunas no sistema de verificação de antecedentes e a facilidade com que indivíduos podem obter armas de fogo nos EUA, independentemente de seu histórico ou intenções.

 

As motivações exatas de Crooks para realizar o ataque ainda não estão claras. A polícia está investigando suas atividades e comunicações anteriores para tentar compreender o que pode ter levado ao ataque. Embora seu registro de eleitor e doações a candidatos de ambos os partidos sugiram uma mistura de influências políticas, ainda não se sabe se o ataque foi motivado por uma ideologia específica, questões pessoais ou outros fatores.


O atentado contra Trump: benefícios e exploração na campanha eleitoral

 

O recente atentado contra Donald Trump durante a campanha presidencial de 2024 tem sido explorado de diversas maneiras pela equipe de campanha do ex-presidente, visando transformá-lo em uma figura ainda mais vitimizada e fortalecer seu apelo entre os eleitores. Este evento, além de trágico, revela a divisão profunda e crescente na sociedade americana.

 

O ataque proporcionou a Trump uma plataforma para reforçar sua imagem de resistência e luta contra o "establishment" e as "forças do mal" que ele alega estarem contra ele e seus apoiadores. Esse episódio tem sido utilizado para destacar sua perseverança e coragem, características que ele já vinha enfatizando em seus discursos.

 

A equipe de campanha de Trump tem trabalhado diligentemente para capitalizar este evento.


Estratégias incluem:

 

Narrativa de vitimização: A campanha está intensificando a narrativa de que Trump é uma vítima de um sistema corrupto e de ataques incessantes. Esta abordagem busca gerar simpatia e solidariedade entre seus seguidores.

 

Disseminação de teorias conspiratórias: Utilizando plataformas de mídia social e discursos públicos, a campanha promove teorias de conspiração que sugerem que o atentado é parte de um plano maior contra Trump e seus ideais, aumentando a sensação de perseguição entre seus apoiadores.

 

Apelo emocional: A campanha está utilizando imagens e vídeos do atentado, bem como declarações emotivas de Trump e sua família, para provocar uma resposta emocional forte do eleitorado, consolidando sua base de apoio.

 

O marketing da campanha de Donald Trump está estrategicamente utilizando este trágico incidente para criar uma cortina de fumaça, desviando a atenção do público e da mídia dos inúmeros processos e condenações que ele enfrenta por crimes cometidos durante seu mandato presidencial. Ao explorar a comoção gerada pelo ataque, a equipe de Trump busca remodelar a narrativa pública, focando no incidente de violência em vez das alegações e provas substanciais que levaram às suas acusações judiciais.

 

Essa manobra não apenas desvia o foco das investigações e julgamentos em andamento, mas também tenta reforçar a imagem de Trump como uma vítima de perseguição política, capitalizando em cima da simpatia gerada por eventos trágicos. Ao monopolizar o discurso público com a tragédia, a campanha tenta minimizar o impacto das controvérsias legais que têm abalado sua reputação, obscurecendo as graves implicações de seus atos durante a presidência.

 

O atentado e sua exploração subsequente têm exacerbado a divisão já existente na sociedade americana. De um lado, os apoiadores de Trump veem o ex-presidente como um herói resiliente, injustamente atacado por suas convicções. De outro, críticos veem a utilização do evento como uma manipulação cínica para fins eleitorais.

 

Nas redes sociais: discussões acaloradas e polarizadas proliferam nas redes, com desinformação e teorias conspiratórias sendo amplamente compartilhadas.

Nos Meios de Comunicação: A mídia tradicional está dividida, com canais pró-Trump enfatizando a vitimização e os riscos que ele enfrenta, enquanto outros veículos criticam a exploração do evento para ganhos políticos.

 

No Eleitorado: as opiniões sobre Trump se solidificam, com pouca margem para diálogo ou mudança de perspectiva entre os grupos de apoiadores e opositores.

 

A história sendo contada


O atentado contra Donald Trump é mais do que um evento isolado; ele é um reflexo da atual crise de identidade e unidade nos Estados Unidos. A exploração do ataque pela campanha de Trump visa consolidar sua base e influenciar eleitores indecisos, utilizando a narrativa de vitimização e resistência. No entanto, a consequência mais profunda pode ser o agravamento da divisão nacional, com impactos duradouros na coesão social e política do país.


A política armamentista dos EUA, combinada com um discurso de ódio e a proliferação de fake news, serve como um catalisador para a divisão política profunda que ameaça a coesão social do país. A estratégia da extrema-direita, que frequentemente utiliza a retórica inflamatória para mobilizar suas bases, não apenas exacerba tensões já existentes, mas também normaliza a violência como um meio de expressão política. O recente atentado a Donald Trump ilustra como essas dinâmicas perigosas podem se materializar em atos de violência, evidenciando o frágil estado da democracia americana. A facilidade de acesso a armas amplifica esses riscos, permitindo que indivíduos radicalizados ajam com uma letalidade assustadora.


A eleição de Donald Trump em 2016 já havia acentuado as divisões políticas nos EUA, marcando o início de um período de polarização intensa e confrontos ideológicos. Seu retorno à cena política, especialmente em um ambiente onde a violência armada é frequente e as teorias conspiratórias são amplamente disseminadas, aumenta os riscos políticos não apenas internamente, mas também para a estabilidade global. A retórica de Trump, que muitas vezes desafia normas democráticas e promove uma visão de mundo autoritária, pode inspirar movimentos similares em outras partes do mundo, fortalecendo tendências populistas e autocráticas. Essa combinação de fatores coloca em risco a ordem mundial, desestabilizando alianças e promovendo um ambiente de incerteza política e social.


Ismênio Bezerra

 

Em um cenário onde a violência e o marketing político se entrelaçam, o atentado a Trump é explorado como uma narrativa de resistência, lembrando-nos que, embora a história não se repita, as táticas de exploração de eventos trágicos permanecem assustadoramente semelhantes.


Ainda teremos muita história pela frente.

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2 Comments

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Guest
Jul 16, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente análise!

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Guest
Jul 16, 2024
Rated 5 out of 5 stars.

Uma visão bem aprofundada sobre a história do povo e da colonização americana e suas raízes de violência.

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