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A fragilidade da democracia Americana: como as eleições nos EUA impactam o país e o mundo.

As eleições nos Estados Unidos representam um dos eventos políticos mais influentes e complexos do cenário mundial. Elas não apenas moldam o futuro do país, mas também têm repercussões significativas em nível global, afetando mercados financeiros, relações diplomáticas, questões de segurança e políticas ambientais. A análise das eleições americanas revela uma rede intrincada de fatores culturais, econômicos, sociais e históricos que determinam o processo eleitoral e os resultados, além de destacar as divisões e os desafios que o país enfrenta.


O sistema eleitoral Americano: uma visão geral.

 

As eleições nos Estados Unidos, em 2024, foram apontadas como uma das mais polarizadas e complexas da história recente, refletindo uma forte radicalização política que expõe vulnerabilidades em seu sistema democrático.


O sistema eleitoral dos Estados Unidos é singular, complexo e funciona com base no Colégio Eleitoral, em vez de um voto popular direto para escolher o presidente. Em uma eleição presidencial, os eleitores votam em candidatos, mas na prática estão escolhendo delegados que representarão o estado no Colégio Eleitoral. O candidato que recebe a maioria dos votos em um estado geralmente leva todos os votos do Colégio Eleitoral daquele estado. A única exceção são os estados de Maine e Nebraska, onde os votos são distribuídos de forma proporcional. Para ganhar a eleição, um candidato precisa obter pelo menos 270 dos 538 votos do Colégio Eleitoral.


Diferentemente do Brasil, onde o processo eleitoral é centralizado, coordenado e supervisionado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com participação dos partidos políticos e da sociedade civil organizada, nos EUA não há uma autoridade única para regular as eleições. Cada estado é responsável por definir e gerenciar o próprio processo eleitoral, desde o registro das eleições (eleitores e candidatos) até os métodos de votação e contagem de votos, que podem incluir cédulas de papel, urnas eletrônicas ou votos por correio. Essa autonomia resulta em uma grande variação nas regras e prazos entre os estados, o que pode causar confusão, atrasos e até questionamentos sobre a integridade dos resultados.


O sistema do Colégio Eleitoral foi projetado para equilibrar o poder entre estados grandes e pequenos, mas é frequentemente criticado por distorções. Em cinco eleições, incluindo as eleições de 2000 e 2016, o candidato vencedor do Colégio Eleitoral não foi o mais votado pelo povo.


Além disso, a descentralização permite que líderes estaduais, como governadores, influenciem as regras eleitorais, o que pode impactar os resultados. Em um contexto polarizado, isso levanta preocupações sobre possíveis abusos, pois autoridades estaduais poderiam, em teoria, interferir no registro de eleições, na contagem de votos ou na validação dos resultados, especialmente em estados decisivos para o Colégio Eleitoral. Em comparação, o sistema centralizado do Brasil, com regras uniformes e fiscalização federal, evita muitos desses riscos e promove maior confiança no resultado final.


Nas eleições legislativas, os EUA elegem senadores e membros da Câmara dos Representantes, que compõem o Congresso. Cada estado tem dois senadores com mandatos de seis anos, enquanto os representantes da Câmara (Deputados) são eleitos por distritos proporcionais à população e têm mandatos de dois anos. Esse sistema muitas vezes resulta em um governo dividido entre o presidente e o Congresso, o que afeta a governabilidade. As eleições presidenciais não coincidem com as eleições legislativas, o que acrescenta outra camada de complexidade ao cenário político americano.


Após o fechamento das urnas, a apuração começa, e os resultados são divulgados estado por estado, o que pode gerar tensão e incerteza até a notificação do vencedor. Ao contrário do Brasil, que tem um sistema ágil de apuração, em alguns estados norte-americanos a sistematização pode durar dias ou até semanas, quando há recontagem do há recontagem do voto por cédulas.


Fatores determinantes no comportamento eleitoral


O comportamento eleitoral nos Estados Unidos é influenciado por uma variedade de fatores que vão além das preferências partidárias simples:

  • Polarização ideológica: A polarização entre democratas e republicanos tem se acentuado nas últimas décadas. As divisões ideológicas se aprofundaram, especialmente em temas como saúde pública, imigração, direitos das minorias e mudanças climáticas. Os eleitores tendem a votar em blocos homogêneos em estados considerados “seguros” para um dos partidos, enquanto estados “pêndulos” – como Flórida, Pensilvânia e Ohio – são intensamente disputados.

  • Questões econômicas: As políticas econômicas continuam a desempenhar um papel crucial. O aumento da desigualdade e as questões relacionadas ao trabalho, à inflação, à bolha imobiliária que voltou a crescer e à dívida estudantil são temas que ressoam profundamente entre os eleitores. Diferentes abordagens econômicas adotadas pelos partidos refletem filosofias divergentes: os democratas focam mais em redes de segurança social e apoio à classe trabalhadora, visto que o liberalismo americano tem levado milhões de pessoas à pobreza, enquanto os republicanos tendem a promover políticas de redução de impostos e desregulamentação, além de práticas protecionistas em favor do mercado interno.

  • Influência das minorias e mudanças demográficas: A população americana está se tornando cada vez mais diversificada, e o crescimento de grupos como latinos, asiáticos e afro-americanos altera gradualmente o cenário eleitoral. Essas comunidades tendem a votar em maior proporção no Partido Democrata, que historicamente se alinha com pautas de inclusão e defesa dos direitos civis. Entretanto, o Partido Republicano também tem procurado atrair visitantes ricos, ao mesmo tempo em que deixa claro o desejo de fazer a deportação em massa de imigrantes e refugiados. Além disso, para fugir de temas complexos, investem em discursos retóricos conservadores e em temas como segurança e moralidade.

  • Impacto das redes sociais e da mídia: As redes sociais desempenham um papel fundamental nas campanhas, sendo usadas tanto para mobilização quanto para disseminação de informações, incluindo desinformação. A polarização é acentuada pela construção das “bolhas informativas”, em que algoritmos expõem aos usuários conteúdos que reforçam suas influências pré-existentes, dificultando o diálogo entre lados opostos do espectro político.


Os desafios institucionais e o papel da Suprema Corte


A Suprema Corte dos Estados Unidos é uma instituição poderosa, com frequente influência sobre decisões políticas fundamentais. Recentemente, a Corte teve um papel decisivo em temas polêmicos, como o direito ao aborto, o controle de armas e a regulamentação ambiental. A composição da Corte, atualmente majoritariamente conservadora, afeta significativamente decisões que impactam a sociedade americana e podem acentuar a polarização do eleitorado.


Nos Estados Unidos, a Corte é vista como partidarizada; o partido que possui muitas vezes decisões favoráveis ​​às suas posições políticas. Uma exceção notável ocorreu em 2020, quando a Suprema Corte rejeitou a tentativa de Donald Trump de contestar o resultado das eleições presidenciais.


A nomeação vitalícia dos juízes e as decisões públicas que afetam diretamente os direitos individuais e as políticas tornam o papel da Suprema Corte central e, ao mesmo tempo, controverso, visto que ela tem maioria de juízes indicados pelo Partido Republicano. Questionam-se até que ponto essa influência pode ser considerada democrática ou justa, uma vez que decisões de grande impacto social são tomadas por um grupo de magistrados tendenciosos, sem mandato temporário ou vínculo direto com o eleitorado. No Brasil, a Corte Suprema (o STF) não é partidarizada, existe tempo para aposentadoria compulsória, freios e contrapesos regulados pelo Congresso.


Financiamento de campanha e lobby


O financiamento de campanhas eleitorais nos EUA é um aspecto central da política americana e um dos mais polêmicos. A decisão de 2010 da Suprema Corte em Citizens United v. FEC permitiu que empresas e sindicatos investissem quantias ilimitadas em campanhas políticas por meio de Super PACs (Comitês de Ação Política). Isso resultou em um aumento expressivo da influência de grandes doadores e grupos de lobby sobre o processo eleitoral.


Embora os dois principais partidos recebam doações de interesses corporativos, a disparidade de financiamento pode desequilibrar a competição eleitoral. Essa realidade aumenta a percepção de que o sistema político responde mais aos interesses dos mais ricos e das corporações do que às dos cidadãos comuns, o que contribui para o aumento da insatisfação e desconfiança em relação à política.


Elon Musk por exemplo, está gastando milhões para interferir nas eleições americanas em favor de Donald Trump, reforçando seu apoio e influência financeira na corrida eleitoral. Não se sabe se dará certo, mas acendeu nos EUA a luz vermelha de preocupação, considerando que os interesses de Musk não são conceitualmente republicanos, mas na desregulação das big techs, para que elas possam operar livre de qualquer controle do Estado.

 

A erosão da confiança pública e a desinformação


Um dos maiores desafios enfrentados pelos EUA é uma crescente desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Alegações infundadas de fraude eleitoral, especialmente nas eleições de 2020, lançaram dúvidas sobre a integridade do sistema eleitoral. Esse ceticismo aumenta a polarização e compromete a legitimidade do processo democrático, levando ao surgimento de movimentos que contestam as eleições e promovem teorias conspiratórias.


A desinformação, amplificada pelas redes sociais e pela mídia fragmentada, é uma ameaça contínua. A circulação de notícias falsas e teorias da conspiração torna a criação de um consenso social quase impossível e alimenta a radicalização, criando barreiras para a reconciliação nacional.


A desinformação nos Estados Unidos tem gerado impactos graves, levando uma parte significativa da população a retroceder em termos de valores civilizatórios. A partir de fake news e teorias conspiratórias, grupos extremistas se sentem legitimados a propagar discursos de ódio e reviver movimentos neonazistas e a Ku Klux Klan, que fomentam divisões e preconceitos na sociedade. Esse fenômeno ameaça a coesão social e representa um retrocesso ao estimular ações violentas e intolerantes, minando avanços democráticos e os direitos humanos conquistados ao longo do tempo.


Impacto global das eleições nos EUA


As eleições nos Estados Unidos são de interesse mundial, dada a posição do país como uma potência global. As políticas americanas afetam a economia global, o comércio, a segurança e questões ambientais. Dependendo de quem não está no poder, o país pode adotar uma política externa mais intervencionista ou isoladora, influenciando conflitos e alianças globais.


Além disso, as políticas ambientais dos EUA têm repercussões diretas no combate às mudanças climáticas. A decisão de aderir ou se retirar do tratado como o Acordo de Paris impacta os esforços globais de redução de emissões e a transição para energias limpas.


O Futuro da democracia Americana e pós eleições


As eleições americanas têm se mostrado vulneráveis a uma série de fatores que ameaçam a estabilidade e a credibilidade da democracia nos EUA. A descentralização do processo, em que cada estado tem autonomia para definir regras de votação e apuração, abre espaço para inconsistências e incertezas, especialmente em um contexto polarizado. Além disso, a falta de uma regulamentação unificada pode gerar disputas judiciais prolongadas, minando a confiança pública. Esses problemas se somam ao papel do Colégio Eleitoral, que permite que um candidato vença sem o apoio da maioria dos votos populares, criando uma percepção de que o sistema é injusto e antiquado.


A democracia americana também enfrenta desafios por conta do crescente uso de desinformação e influência externa no processo eleitoral, muitas vezes espalhada através de redes sociais e canais alternativos. Essas campanhas de desinformação mobilizam grupos radicais e questionam a legitimidade das eleições, fragilizando o tecido democrático e aumentando a divisão interna. A interferência de atores poderosos, como figuras públicas e grandes corporações, em favor de um ou outro partido, também contribui para a percepção de que o processo eleitoral está sujeito a manipulações. Essas fragilidades, se não forem corrigidas, podem continuar a corroer os valores democráticos fundamentais e afetar a estabilidade política dos EUA, comprometendo seu papel como um modelo de democracia no cenário internacional.


A necessidade de educação cívica também se torna clara, uma vez que os congressistas informados e engajados são essenciais para o funcionamento da democracia. Recuperar a confiança nas instituições e promover uma política mais inclusiva e transparente são os desafios que o país enfrenta para evitar uma crescente instabilidade interna e manter seu papel de liderança no cenário internacional.


O resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos exerce um impacto global, pois o presidente americano define políticas que influenciam economia, meio ambiente e segurança internacional, afetando aliados e rivais ao redor do mundo. Contudo, esse processo eleitoral reflete principalmente sobre os próprios americanos, pois as escolhas políticas que fazem dizem respeito à visão de sociedade que desejam e aos valores que promovem, seja em relação à igualdade, liberdade, ou justiça social.


Essa escolha representa também uma definição estratégica em termos de civilização e geopolítica, refletindo como os Estados Unidos se posicionam no cenário global. A direção tomada por uma administração influencia desde as relações com outros países até a resposta a desafios contemporâneos, como mudanças climáticas e defesa de direitos humanos. Dessa forma, a decisão americana não é apenas sobre liderança, mas sobre os princípios que moldarão tanto a sociedade americana quanto o papel dos EUA no mundo.


Ismênio Bezerra

 

Esse texto visa explicar o sistema eleitoral dos EUA de forma clara, abordando pontos como o funcionamento do Colégio Eleitoral, a descentralização do processo e as diferenças em relação ao Brasil.


No Brasil, assistimos mais uma eleição com resultados preocupantes. A reprodução de erros dos EUA, como a descredibilização das eleições sem provas e a invasão do Capitólio capitaneado por Trump se repetiu no Brasil. A tentativa de Bolsonaro de desacreditar as urnas eletrônicas e a tentativa de golpe de Estado com a invasão dos prédios dos três poderes são ecos desse comportamento. Precisamos refletir sobre as consequências de copiar o que há de pior em vez de aprender com a história. A democracia exige responsabilidade e respeito às instituições!

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